vendredi 21 novembre 2008

Não se pergunta a um escravo se ele quer ser livre

Entrevista com Ismael Ossemane

Por Sílvia Alvarez
De Maputo, Outubro 2008

Um dos fundadores da UNAC (União Nacional de Camponeses), e militante ativo na construção da Moçambique pós-independência, Ismael Ossemane dá uma aula sobre a história do país que é sede da 5ª Conferência Internacional da Via Campesina, que acontece desde o dia 16, em Maputo.

Ossemane conta que quando das negociações e conversas entre a Frelimo (Frente de Libertação Moçambicana) e os colonos portugueses, estes sugeriram que fosse feito um referendo para perguntar à população moçambicana se queriam permanecer ou não uma colônia de Portugal. A proposta foi imediatamente recusada por Samora Machel, então líder da organização. "Não se pergunta a um escravo se ele quer ser livre", foi a resposta dada por Machel, que seguiu com a luta armada até que os Portugueses aceitessem que Moçambique tinha o dereito de ser independente sem pre condição, o que aconteceu em 7 de setembro de 1974, data que passou a ser celebrada em Moçambique como o dia da liberdade. A Indepêndencia acontece depois a 25 de junho de 1975.

Hoje, a Frelimo é o partido que está no poder em Moçambique, mas com novas características. "Eles dizem que a Frelimo é a mesma. Mas nós temos olhos para ver e corpo pra sentir o que se passa", disse. Ossemane militou no partido como secretário provincial de políticas econômicas. Mais tarde foi transferido para o Comitê Central para assumir o programa de socialização do campo. Quando percebeu que o projeto revolucionário já não existia no partido, pediu demissão, foi para o campo e ajudou a construir a UNAC. Atualmente, ocupa o cargo de presidente da mesa da Assembléia Geral desta entidade.

Veja a entrevista

Quem foi Samora Machel e qual o legado deixado por ele?

Eu não participei da luta armada, mas sei que Samora Machel deu um grande impulso à guerrilha. Ele era um jovem moçambicano nacionalista que aderiu ao movimento de libertação de Moçambique e fez parte do primeiro grupo que recebeu treinamento na Argélia. Por sua grande capacidade de liderança, logo se tornou um comandante muito importante para a concretização da independência do país. Penso que, naquela altura, a liderança tinha que estar com um homem muito ligado às forças populares de libertação. Seria difícil um intelectual, mesmo revolucionário, liderar a luta armada. Ele transformou a luta armada em uma luta popular. E depois da independência, foi um bom comandante, mesmo sem ter uma grande formação acadêmica. Ele era un homen muito inteligente.

Qual foi a participação e importância da Frelimo na luta pela independência?

A Frelimo passou por transformações ao longo deste processo. Em um determinado momento, existiam duas posições dentro da organização: a revolucionária e uma outra que se chamou de reacionária. A certa altura começaram a acontecer as zonas libertárias, onde a administração portuguesa não entrava. Foi preciso formar uma administração da Frelimo nesses lugares. Os cargos da Frelimo eram misturados com pessoas dessas duas correntes, até que ficou claro a posição da organização como revolucionária, principalmente quando Samora Machel torna-se um dos líderes da Frelimo.
Alguns dos chamados reacionários formariam depois a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana). Que hoje tornou-se o principal partido de oposição.

Conte um pouco sobre como se deu o processo da independência

Em 74, o exército colonial português recuou. Não quiseram mais a guerra. Eles dizem que foi por causa das negociações, mas para nós, os militares perceberam que estavam derrotados no campo de batalha, que os filhos dos portugueses estavam morrendo. Então, começam as negociações. Um pouco difíceis, porque as novas autoridades portuguesas queriam um referendo para perguntar ao povo moçambicano se queriam a independência. Mas Samora Machel bateu o pé. A nossa luta continuou e em setembro de 1974 firmaram-se os acordos. Nesse mesmo dia, aqui em Maputo, teve um levantamento da comunidade portuguesa reacionária, eles até tomaram uma rádio, mas durou pouco tempo. O novo governo português não deu apoio (o governo depois do Estado Novo) e as populações aqui no subúrbio começaram a se organizar. Três dias depois, os portugueses saíram em debandada. Então dá-se a independência e seguimos uma linha socialista.

Quais foram os benefícios do socialismo para a população Moçambicana?


Imediatamente começaram grandes programas de massa. Na educação, por exemplo, sobretudo na questão da alfabetização, porque tínhamos mais de 90% da população sem saber ler e escrever, aconteceram grandes campanhas. Nacionalizou-se a saúde que passou a estar a serviço do povo. Aconteceram campanhas também de vacinação para as crianças.
Nacionalizaram também os prédios de rendimento. Os moçambicanos não precisavam mais pagar aluguel, e isso levou a população negra a entrar na cidade de Maputo. Antes era uma cidade colonial só de brancos, enquanto os negros viviam nas periferias. A nacionalização transformou Maputo em uma cidade africana.

Porque a revolução fracassou?


Quando Ian Smith apoderou-se do governo da Rodésia (atual Zimbabwe) ilegalmente, a ONU não reconheceu o novo governo e mandou aplicar sanções. No entanto, ninguém as aplicava. Mas quando Moçambique fica independente resolve cortar relações diplomáticas e econômicas com a Rodésia. Mas isso custou muito à Moçambique porque tínhamos ligações econômicas com eles. A ONU também havia prometido um apoio para quem aplicasse as sanções que nunca deu. Então a Rodésia, com o apoio da Renamo, da África do Sul, e por dissidentes da Frelimo resolve entrar em guerra com Moçambique. E eles tinham um aparato militar muito grande.

Qual foi o principal erro cometido pelo partido depois da independência?

Nós cometemos alguns erros dentro da revolução. Aconteceu aquilo que podemos chamar de esquerdismo. Primeiro, começamos a hostilizar a religião. Não só as que vieram de fora, mas também as próprias tradições da população, as crenças. A poligamia, que era tradicional, também foi condenada. Depois hostilizamos também os líderes tradicionais, aqueles que eram agentes do colonialismo, mas tinham poder e legitimidade com o povo. Utilizamos a estratégia errada, transformamos o povo em inimigo da revolução. Acabamos por empurrar o povo para ser base da burguesia. Ela então se apropriou das falhas de Frelimo, falava em "liberdade religiosa, liberdade das tradições", quando o objetivo deles não era essa liberdade de religião...
Então a situação era: estávamos numa crise econômica, a falência da União Soviética, a queda do muro de Berlim, o povo estava morrendo. Então em 86 aderimos a abertura do mercado, pegamos receitas do FMI e do Banco Mundial. A princípio isso era uma estratégia. Dar um passo atrás para avançar depois. No entanto, começamos a perceber que aqueles que eram militantes da revolução estavam se transformando em agentes do capitalismo. Muitos enriqueceram da noite para o dia. Esse foi o pior golpe que sofremos.

E hoje, qual é a situação política e econômica de Moçambique?

Temos hoje uma economia política neoliberal que em nada favorece o povo. Recebemos muito dinheiro internacional que supostamente é para apoiar as comunidades, assim como os programas governamentais. Mas é para apoiar, numa perspectiva capitalista, principalmente no campo, como forma de ganhar a base. O sistema capitalista precisa ter alguns na base que defendam o modelo. É uma estratégia. Os portugueses fizeram isso com os líderes tradicionais, como te falei. Estes líderes recebiam alguns benefícios e eram os primeiros a defender o regime colonial. Alem disso, só dar o dinheiro não resolve. Temos que capacitar. Mas o governo não capacita e aí diz "nós já fizemos tudo por essas comunidades. Já demos dinheiro. Eles é que não tem capacidade, não são empreendedores".

Depois dos acordos de paz ou mesmo durante a guerra, muitas ONG´s deram apoio humanitário, como roupas, comida. O que verificamos nisso é que grande parte (não todos), dos projetos das ONG´s é uma repetição da implementação das políticas a que me referia. São desenhadas de uma forma que, na minha análise, em vez de terem um impacto no desenvolvimento das comunidades, têm maior impacto na maneira das pessoas pensarem. Elas ficam cada vez mais dependentes de projetos. Acaba um projeto e já pedem outro.
Sem perceber, estão tornando o país vulnerável para que as grandes empresas dos países que doam esse dinheiro possam entrar aqui em Moçambique. A população não percebe que há um preço que pagamos. O país fica nas mãos das grandes empresas estrangeiras, com a cumplicidade das elites nacionais.

Perante esta situação, como a UNAC se organiza? Como combatem esse modelo?

A UNAC tem feito debates, reuniões, ligações com movimentos internacionais, como a Via Campesina, para tentar encontrar soluções perante a realidade da pobreza Moçambicana. Estamos fazendo cursos de formação, inclusive com a ajuda de movimentos sociais brasileiros, tentando conscientizar as pessoas, para que fique claro quando estes projetos estão nos ajudando ou nos cooptando.
Então a UNAC tem um grande trabalho de, nesse contexto, nessa realidade, conseguir levar um desenvolvimento sustentável.Também pressionamos as autoridades para determinado tipo de política, por exemplo. Aqui em Moçambique não temos tanto problema de sem-terras como no Brasil. Mas a reforma agrária não pede ser vista só como distribuição da terra. O que adiante ter terra, mas não ter crédito, e outras condições? Vão te tirar a terra depois. Dirão que os camponeses não estão aproveitando da melhor maneira a terra e a entregarão às multinacionais.

Como a crise mundial e a alta do preço dos alimentos tem afetado os trabalhadores de Moçambique?


O nosso campo não depende muito do mercado para ter alimentação. A população produz a sua alimentação. O problema é que ela produz com muita dificuldade. E não lhe resta dinheiro para comprar outras coisas como caderno para os filhos, remédios, etc. O camponês é pobre. Nas zonas urbanas, onde um trabalhador ganha um salário mínimo de menos de 50 dólares, a vida também é muito difícil. Muitas vezes ele se mantém porque a família que está no campo lhe manda algum alimento.
Agora, com o mercado livre e o desenvolvimento da África do Sul, a produção do interior de Moçambique não chega à cidade de Maputo. Os custos do transporte aumentam muito o preço do alimento que vai vender. Os produtos da África do Sul chegam a um preço baixo, e com uma embalagem bonita. Então é difícil você aumentar a produção quando não tens mercado. Isso ajuda as empresas a encontrarem espaço para incentivar a monocultura como o algodão e o tabaco, porque essas empresas garantem essa comercialização.

O senhor disse que grandes líderes tornaram-se agentes do capital. A Frelimo seria também um agente do capitalismo hoje?

Dizer que no partido só há agentes do capitalismo pode ser injusto. Mas quando temos dentro do partido pessoas influentes, de peso, que são grandes capitalistas, podemos ter uma idéia do que é o projeto do partido. Mas não podemos pegar um partido com milhares de membros e dizer que todos são agentes. Muita gente ainda acredita em uma transformação.
Por exemplo, essa escola onde estamos (Escola do partido Frelimo) foi construída logo após a independência e era onde se dava a consciência do proletariado, do camponês. Eu mesmo fiz curso aqui. Mas se tu me perguntas o que acontece aqui hoje em dia, eu não sei. Esta sendo útil agora porque conseguimos esse espaço para fazer a Conferência, mas tirando isso, eu não sei.
Além disso, a Frelimo que era um partido de operários e camponeses, com aliança com intelectuais, hoje se diz que é de operários, camponeses, burgueses, agentes econômicos..tudo! Não sei se historicamente somos capazes de misturar esses tipos de pessoas com interesses completamente diferentes.

Existe uma esquerda intelectual hoje em Moçambique?


As pessoas estão traumatizadas, desanimadas. Quando entramos com um discurso como o da UNAC e o da Via Campesina, ainda te toleram, mas dizem "bom, essa gente não deve andar muito bem da cabeça" ou dizem que somos românticos, algo assim. O capitalismo usa um discurso de que está provado que os regimes socialistas são fracassados. A universidade também está influenciada pelo modelo capitalista. Então o jovem que sai da universidade sai esquematizado dentro do modelo. Há alguns intelectuais que nos apóiam, mas que às vezes acham nosso discurso muito radical.

Quais são as perspectivas para o futuro de Moçambique?

A perspectiva é má. Mas também é verdade que durante esses anos que entramos no capitalismo – que não são muitos – já começam a haver algumas frustrações, como jovens desempregados, por exemplo. Começam a verificar que o capitalismo não é tudo isso que a propaganda diz. Em fevereiro desse ano, houve uma mobilização popular por conta do aumento do preço dos combustíveis, que pegou as autoridades de surpresa. Então há uma base inconformada. A dinâmica do insucesso do capitalismo, da exploração dessas elites, pode desencadear, gradualmente, uma consciência que pode engrossar nossa luta. Mas temos que saber que ainda somos uma minoria

5ª Conferência da Via Campesina: Crise o quê

Por Nico Bakker

Respostas práticas à crise de fome e outras crises por camponeses organizados.

Em 2005 durante as manifestações que ajudaram descarrilar as negociações da OMC em Cancum, o camponês Koreano Lee Kyung Hae se matou, em protesto contra a OMC e impelido pelo desespero causado pelos efeitos da OMC.

No dia 23 de Outubro, depois da ceremónia em homenagem ao camponês Lee Kyung Hae jantámos. Sentado ao lado dum agricultor familiar americano e de um camponês Indiano, acompanho a conversa deles.

Discutem assuntos de produtores. "Quantas cabeças de gado tem?" (o Indiano 5, o Americano 38, mas este diz que existem fazendas industriais de 10.000 cabeças), ou "que parte do preço ao consumidor fica contigo", ou "Quantos litros de leite as suas vacas produzem em média?". Apesar das diferenças (começando pela maneira de falar inglês) estão muito animados e parecem estar a aprender muito um com o outro.

Isso é a 5ª Conferencia Internacional da Via Campesina.

Mais que 400 camponeses delegados juntaram-se na Matola para a assembleia da sua organização mundial. Num mundo atingido por 4 crises simultáneas: uma crise de fome, uma crise de energia, a crise da mudança climática e uma crise financeira os camponeses reuniram-se também para analisar como estas crises afectam a vida dos camponeses.

A primeira coisa que se nota, e que é essencial para a credibilidade e o sucesso da organização, é o esforço de coerência entre as políticas e as práticas.

Por exemplo, procurou-se garantir ao máximo a representação das mulheres (por exemplo, cada região da organização é representada no Conselho Coordenador Internacional por uma mulher e um homem). Um outro exemplo é a tentativa de alimentar os participantes com produtos locais, através das uniões, embora, infelizmente, tal não tenha sido possível porque o gerente do sítio o proibiu.

Também notável é o facto de a conferência não ter sido dominada por peritos e técnicos, com um ou outro camponês marginalizado de lado. Este é um encontro de verdadeiros camponeses, especicialistas da sua própria machamba e vida.

Neste contexto, encontro Alphonsine N'guba, membro duma cooperativa perto de Kinshasa. A sua cooperativa tem 40 membros e é membro da Confederação Camponesa do Congo (COPACO- PRP). A COPACO-PRP junta criadores de animais, pescadores,agricultores, horticultores e piscicultores em 452 organizações. Alphonsine acabou de ser eleita para o Comité International de Coordenação da Via Campesina representando a região da África Austral e Central. Ela mostra-se bastante contente com a conferência, principalmente com o destaque dado à situação das mulheres porque, como diz :"não se pode falar de agricultura sem falar de mulheres".

Quando ela não está ocupada organizar o movimento, ela cultiva 3 machambas com canteiros onde produz muita coisa diferente (amaranto, quiabo, batata doce,pimento, tomate, aipo, beringela, pepino, mandioca, milho e mais).

A maior parte da produção é vendida mas não sem primeiro separar-se a alimentação da família, "onde é que estamos, não tem falta de comida".

Já não usa produtos químicos porque descobriu que estragam o solo e são caros. Agora só usa fertilizantes naturais. Ela notou que o tempo está mudando, com mais calor e chuvas mais tardias que, quando caem, caem com força, causando cheias.

Enquanto está a tentar entender o novo padrão climático, acha muito injusto sofrer destes problemas do calor e das cheias que são causados pela poluição

originada em sítios que não têm nada a ver com ela, mas afectam directamente a sua produção.Contudo, o seu problema principal é a comercialização. Agora ela vende através da cooperativa que ajuda a baixar os custos, mas os mercados de Kinshasa estão cheios de produtos baratos de fora, baixando os preços, enquanto ela tem despesas altas por causa do transporte e das"taxas" ilegais que são exigidas por todo tipo de "autoridade".

Irène Anex, duma cooperativa ecológica perto de Genebra, é nova na Via Campesina. Mas o que ela notou é que, apesar de tantas diferenças, "os problemas são os mesmos em todo o lado". Irène trabalha com dois colegas num hectare de terra alugada para produzir hortículas e verduras. 130 membros pagam os custos de produção da sua cooperativa "Uniterre", inclusive o vencimento da Irène e dos seus colegas. Além de pagar os custos, os membros também trabalham algumas horas por mês na cooperativa. Muitos membros estão interessados em agricultura orgánica por motivos de saúde, mas o dia-a- dia na cooperativa abre os olhos para outras questões. Nas conversas tidas enquanto estão a trabalhar a terra, fala-se e ensina-se, como trabalhar a terra, mas também se fala sobre ecologia, política agrícola etc.

A forma como a cooperativa é organizada é uma resposta prática às crises e um reflexo das políticas promovidas pela Via Campesina. "Produzimos primeiramente para comermos. Como os membros não precisam de comprar as verduras na loja, não sentem tanto a subida dos preços (toda a produção é distribuida igualmente entre os 130 membros). Também precisamos de menos dinheiro para produzir jáque não compramos fertilizantes químicos e pesticidas. Ao mesmo tempo, não se gasta muito combustível porque os membros ficam perto da cooperativa. Irene tem um interesse particular pelas sementes . A situação na Suiça não está muito má,mas no resto da Europa há cada vez mais regras para impedir os agricultores de

guardar sementes e obrigando-os a comprá-las nas multinacionais. As leis dificultam a salvaguarda das sementes locais e a diversidade de sementes que é preciso para uma produção ecológica.

Sago Indra é um camponês e um organizador em Sumatra, na Indonésia. "Primeiro temos que recuperar a terra" afirmou ele. Embora Sago tenha um hectare de arroz e um hectare onde cultiva uma grande variedade de hortculas e verduras, a maioria dos camponeses não tem terra. Ele dá aos amigos que o ajudam na machamba

a metade da colheita do arroz porque ele está muito ocupado a organizar as comunidades Terrenos cada vez maiores são dados em concessão às empresas multinacionais,obrigando os camponeses a sair e causando uma subida dos preços da terra. Com a nova moda dos agrocombustíveis, as políticas do governo favorecem ainda mais as empresas grandes. Por exemplo, recentamente, o governo deu 200.000 hectares para uma plantação de palmeiras para óleo, aumentando ao mesmo tempo o prazo da concessão de 30 anos para 99 anos.

"Sentimos o impacto das crises: por exemplo, petróleo para os candeeiros é muito mais caro agora. Mesmo assim, nós, produtores ecológicos, estamos melhores que os outros camponeses que estão a ficar cada vez mais desesperados.

Produzimos para as nossas famílias primeiro, gastando pouco dinheiro em comida.Depois, não usamos adubos químicos ou pesticidas, cujos preços subiram de 50 a 150% no ano passado. Ainda por cima, usamos as nossas sementes locais, o que faz com que não precisamos de comprar sementes nas empresas multinacionais."Porém, o tempo está mudando; agora é dificil saber quando vai chover e "se vamos ter que depender de irrigação, os nossos custos vão aumentar mais ainda".

Alphonsine, Irène e Sago salientam a importância da conferência, não só ao nível político (por exemplo, lutar contra as multinacionais), mas também para trocar experiências sobre, por exemplo, como desenvolver acções de mobilização que se podem tentar aplicar em casa. Segundo Sago, é claro que a Via Campesina se fortaleceu ao longo dos anos, tanto a nível dos membros como a bível da estrutura e da organização. Alphonsine enfatiza a importância de analisar bem as propostas e não perder a independência : uma vez uma empresa propôs para produzir Aloe Vera, mas depois uma reflexão profunda, descobriu que ela ia perder se deixasse a sua maneira de produzir e passasse a produzir só Aloe Vera. Para este tipo de reflexões, a conferência atingiu o seu objectivo, tanto nas conversas nos jantares, como nos muitos encontros oficiais.

O que é aVia Campesina?

A Via Campesina é o movimento mundial de camponeses e produtores familiares organizados. As organizações de camponeses encontram-se em todo o mundo..

Por motivos práticos são organizadas em 9 regiões (Europa, América do Norte, Caraíbes, América Central, América do Sul, África Austral e Central, África Oeste e Norte, Asia do Sul e Asia do Sul-este).

A Via Campesina foi criada em 1993 na Bélgica e neste momento tem 150 membros em 75 países.

O objetivo principal da Via Campesina é desenvolver a solidariedade e unidade entre camponeses e promover a equidade de género e justiça social com relações
económicas justas., a conservação de todos os recursos naturais (água, terra,semente, floresta) e agricultura sustentável baseada nos pequenos produtores.

A Via Campesina introduziu o conceito de Soberania Alimentar. Soberania Alimentar quer dizer o direito de camponeses e de comunidades de saberem como produzir e o que produzir para alimentar as suas famílias e as suas comunidades e o direito de governos de desenvolverem políticas agrícolas que sirvam objectivo.Para tal, é essencial que o projecto neo-liberal dos últimos 20 anos, tão popular nos governos do mundo e que é a causa principal das 4 crises simultâneas, seja combatido.

Apesar de serem chamadas de radicais, sonhadoras e irracionais, as políticas da Via Campesina mostram agora não só serem visionárias, mas necessárias num mundo assolado por crises de fome, de energia, financeira e de mudança climática. Porque infelizmente ainda há pessoas que pensam como o antigo presidente Bill Clinton pensava: "pensavamos que os produtos agrícolas fossem como televisores ou qualquer outra mercadoria em vez de tratá-los como vitais

Para os pobres do mundo."

Nico Bakker

Oxfam Solidariedade Bélgica

Vth Conference of La Via Campesina: Crisis, what is it?

By Nico Bakker

After the ceremony commemorating the Korean farmer Lee Kyung Hae, who in defiance and despair killed himself at the manifestations, which helped to derail the WTO negotiations in Cancun, we have dinner. I am sitting next to an American farmer discussing cattle and milk production with an Indian farmer.

The conversation unfolds as a question and answer game, where maximum surprise is the premium. "How many heads of cattle do you have" (Indian farmer 5, US farmer 38, "but", he adds, "in the US we have industrial farms of 10.000 heads), or "what percentage of the retail price do you get", or "what fat percentage does your milk have?"

The answer is followed by an effort to explain the differences. Despite the huge differences, starting with the way they speak English, they seem to learn a lot from each other and at the same time enjoy themselves enormously.

This is the 5th International Conference of La Via Campesina.

Over 400 farmers gathered on the outskirts of Maputo in Mozambique for the general assembly of their global organisation and analyse how the present world situation, struck with a quadruple whammy of Food Crisis, Energy Crisis, Climate Crisis and Financial Crisis, is affecting their way of life.

When at the conference, the first thing which strikes, and which is essential for its credibility and success, are the efforts the movement makes to be coherent in its political, organisational and practical work.

So processes are in place to try to ensure maximum women's representation and overall participation. Another example is the effort made to feed the participants local food from the Mozambican farmers organisations (which unfortunately fell through as the manager of the location at the last moment didn't allow for it) in accordance with policies promoting local production and consumption. Sustainable farming is thus part of an approach and not just something on its own.

Equally striking is, that this is a gathering dominated not by formally trained specialists and technicians with a token farmer at the fringe of the meeting. This is a meeting of real farmers, specialists in their own right, as they know quite well what they are talking about.

In this context I meet Alphonsine N'guba member of a producers organisation near Kinshasa. Her organisation has 40 members and is member of the Confederation Paysanne du Congo (COPACO- PRP). COPACO-PRP unites animal farmers, fisherfolk, horticulturist and fishraisers in 452 producer organisations. Alphonsine was just elected to the International Coordinating Committee of La Via Campesina representing the African Region. She is quite happy with the conference especially with the importance given to women, as she puts it :"you cannot talk about agriculture without talking about women".

When she is not in the conference or busy organising, she works three pieces of land, where she produces a wide range of products (amaranth, okra, sweet potato, pepper, tomato, celery, aubergine, cucumber, cassava, maize etc).

Most of her produce is marketed, but not after setting aside the food needed for her family. As she puts it "where we are, we have plenty to eat!"

She doesn't use chemical fertilisers anymore, as they found that this was destroying the soil and costing a lot of money, so now she only uses natural fertiliser. She has been observing that the weather seems to be hotter and rains seem to be coming later, but falling with greater intensity, causing evermore heavy floodings.

While she is struggling to "read" the new weather patterns in order to adapt her farming, she considers the situation as quite unfair as these changes, directly affecting her production, are caused by pollution she has nothing to do with. Her main problem however is not so much in production but in marketing, as Kinshasa is swamped with cheap imports driving down prices, while the farmers incur high cost, because of poor infrastructure and harassment by all kinds of people extorting "taxes".

Irène Amex from an organic cooperative in Geneva is new to Via Campesina. But what she noticed during the conference is that despite all the differences "the problems are the same everywhere". Irène farms with 2 colleagues one ha. of rented land. 130 people are member of her cooperative, who besides volunteering on the farm, pay Irène and her colleagues as well as the other production costs. The entry point for most members to become interested in organic farming are health concerns, however when working the land "we talk about practical things, how and why to do certain tasks, but from there often wander into ecology or agricultural policy".

The way the cooperative is set up is a very practical answer to the triple crisis and reflects the policies promoted by Via Campesina. "The way we produce, the members have a relation to their food and at the same time their food costs didn't increase that much (all the produced food is equally distributed among the 130 members). Our way of producing is also less capital intensive than conventional farming". At the same time the energy needed for food production and distribution is kept low "we don't use chemical inputs, which require a lot of energy for producing and members just live nearby, keeping fuel costs low". One of her particular interests is seed. Although the situation in Switzerland is not that bad, she observes the evermore bizarre regulation in the rest of Europe patently favouring big business and undermining mechanisms to maintain local varieties and diversity at farm level.

Sago Indra is an organic farmer and organiser in West Sumatra, Indonesia. "Well the first issue is to actually reclaim the land", he says. Although Sago himself has 1 ha of paddy land and 1 ha, where he grows a wide variety of vegetables, a lot of farmers don't have land. Half of the harvest of his paddy land he gives to his friends, who are helping him to work the land as he spends so much time in community organising. Ever larger swaths of land are ceded by the government to multinational companies, pushing farmers out of their communal lands and driving up the prices of land. With the hype of agrofuels, government policies are evermore accommodating big companies, e.g. recently a 200.000 ha lease was given to a palm oil plantation, while the provincial government extended the lease periods from 30 years to 95 years.

"We do feel the impact of the crises, for example kerosene (used in candles) is much more expensive now. Still, we organic farmers are better off than conventional farmers, who are becoming quite desperate. First we produce food for the family, keeping our costs of food low. Then we don't use agrochemicals, which prices have hiked by 50 – 150% last year and we use local seeds, so we don't depend on buying seeds from the transnationals". However the changing weather pattern is a problem making it difficult to predict the rains: "If we have to rely on irrigation our production costs will go further up".

Alphonsine, Irène and Sago all stress the importance of the conference, not only on a political level, but also to learn about experiences, in mobilisation for example, which might be tried and adapted to their own situation. According to Sago, it is clear that Via Campesina has become stronger over the years, both its member organisations and its structure. Alphonsine stresses the need to analyse well proposals coming their way, to not loose ones independency: once she was wooed to produce Aloe Vera for some company, but, after careful reflection, found that she would only be loosing out if she were to give up her way of farming for a plantation. For these and other reflections the conference served well, being it over dinner or during the many meetings.

Box: What is Via Campesina?

Via Campesina is a member based movement of independent family farmer organisations. Its members are member based farmer organisations all over the world.

For practical purposes these organisations are organised in 9 regions (Europe, North America, Caribbean, Central America, South America, South and Central Africa, West and Northern Africa, South Asia and South East Asia)

Via Campesina was founded in 1993 in Mons, Belgium and at the moment has about 150 members in 75 countries,

The central objective of Via Campesina is to develop solidarity and unity among small farmer organizations in order to promote gender parity and social justice in fair economic relations; the preservation of all natural resources (eg land water seeds) and sustainable agricultural production based on small and medium-sized producers.

In this context Via Campesina introduced the concept of Food Sovereignty, meaning the right of farmers, communities and national governments to determine how and what they produce to feed themselves and their communities and the right to put in place adequate policies to this end, without necessarily succumbing to short term profit maximisation and commoditisation which are the mainstay of neo-liberal policies.

Thus it is crucial that the neo-liberal project of the last 20 or so years and main culprit of the four coinciding global crises (Energy, Climate, Food and Finance) and so much in vogue for shaping agricultural policies all over the world, is fought.

Albeit being described as too radical, dreamland fantasies and irrational, the policies proposed by Via Campesina prove to be not only visionary, but quite necessary in a world struck with food, energy, climate and financial crises, as even Bill Clinton now admits: "we all blew it, including me," by treating food crops "like colour TVs" instead of as a vital commodity for the world's poor."1

Nico Bakker

Oxfam Solidarity Belgium

vendredi 7 novembre 2008

Carta de Maputo - Declaração final da conferencia internacional da Via Campesina

Maputo, Moçambique, 19-22 de Outubro, 2008

O mundo inteiro está em crise.

Uma crise multi-dimensional. De alimentos, de energia, de clima e de finanças. As soluções que o poder propõe – mais livre comércio, sementes transgênicas, etc – ignoram que a crise resulta do sistema capitalista e do neoliberalismo, e somente aprofundarão seus impactos. Para encontrar soluções reais, temos que olhar para a Soberania Alimentar que propõe a Via Campesina.

Como chegamos na crise?

Nas últimas décadas vimos o avanço do capitalismo financeiro e das empresas transnacionais, sobre todos os aspectos da agricultura e do sistema alimentar dos países e do mundo. Desde a privatização das sementes e a venda de agrotóxicos, até a compra da colheita, o processamento dos alimentos, e seu transporte, distribuição e venda ao consumidor, tudo já está em mãos de um número reduzido de empresas. Os alimentos deixaram de ser um direito de todos e todas, e tornaram-se apenas mercadorias. Nossa alimentação está senso homogenizada em todo mundo, com alimentos de má qualidade, preços que as pessoas não podem pagar, e as tradições culinárias de nossos povos estão se perdendo.

Também vemos uma ofensiva do capital sobre os recursos naturais, como nunca se viu desde os tempos coloniais. A crise da margem de lucro do capital os lança numa guerra de privatização que que os leva nos expulsar, camponeses, camponesas, comunidades indígenas, roubando nossa terra, territórios, florestas, biodiversidade, água e minérios. Um roubo privatizador. Os povos rurais e o meio ambiente estão sendo agredidos. O semeio de agrocombustíveis em grandes monocultivos industriais também é razão dessa expulsão, falsamente justificada com argumentos sobre crise energética e climática. A realidade detrás destas últimas facetas da crise tem muito mais ver com a atual matriz de transporte de longa distância dos bens, e individualizado em automóveis, do que com qualquer outra coisa.

Com a crise dos alimentos e com a crise financeira, a situação torna-se mais grave. A mesma crise financeira e a crise dos alimentos estão vinculados à especulação do capital financeiro com os alimentos e a terra, em detrimento das pessoas. Agora, o capital financeiro está desesperado, assaltando os erários públicos para seus resgates, os quais obrigarão ainda mais os países a farem cortes orçamentários, condenado-as a maior pobreza e maior sofrimento. A fome no mundo segue a passos largos. A exploração e todas as violências, em especial a violência contra a mulher, espalham-se pelo mundo. Com a recessão econômica nos países ricos, aumenta a xenofobia contra os trabalhadores e trabalhadoras migrantes, com o racismo tomando grandes proporções e com o aumento da repressão. E com o jovens tendo cada vez menos oportunidades no campo. Isso é o que o modelo dominante oferece.

Ou seja, tudo vai de mal a pior. Contudo, no seio da crise, as oportunidades se fazem presentes. Oportunidades para o capitalismo, que usa a crise para se reinventar e encontrar novas formas de manter suas taxas de lucro, mas também oportunidades para os movimentos sociais, que defendemos a tese de que o neoliberalismo perde legitimidade entre os povos, e que as instituições financeiras internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC) estão mostrando sua incapacidade de administrar a crise ( além de serem parte dos motivos da crise), criando a possibilidade que sejam desarticuladas e que outras instituições reguladoras a economia global surjam e que atendam outros interesses. Está claro que as empresas transnacionais são os verdadeiros inimigos. São os que estão por trás de tudo. Está claro que os governos neoliberais não atendem aos interesses dos povos. Também está claro que a produção mundial de alimentos controlada pelas empresas transnacionais , não se faz capaz de alimentar o grande contingente de pessoas neste planeta, enquanto que a Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa local, faz-se mais necessária do que nunca.

O que defendemos na Via Campesina frente a esta realidade?

* A soberania alimentar: Renacionalizar e tirar o capital especulativo da produção dos alimentos é a única saída para a crise dos alimentos. Somente a agricultura camponesa alimenta os povos, enquanto o agronegócio produz para a exportação e sua produção de agrocombustíveis é para alimentar os automóveis, e não para alimentar gente. A Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa é a solução para a crise.

* Frente às crises energéticas e climáticas: a disseminação de um sistema alimentar local, que não se baseia na agricultura industrial nem no transporte a longa distância, eliminaria até 40% das emissões de gases de efeito estufa. A agricultura industrial aquece o planeta, em quanto a agricultura camponesa desaquece.

Uma mudança no padrão do transporte humano para um transporte coletivo e outras mudanças no padrão de consumo, são os passos a mais, necessários para enfrentarmos a crise energética e climática.

* A Reforma Agrária genuína e integral, e a defesa do território indígena são essenciais para reverter o processo de expulsão do campo, e para disponibilizar a terra para a produção de alimentos, e não para produzir para a exportação e para combustíveis.

* A agricultura camponesa sustentável: somente a produção camponesa agroecológica pode desvincular o preço dos alimentos do preço do petróleo, recuperar os solos degradados pela agricultura industrial e produzir alimentos saudáveis e próximos para nossas comunidades.

* O avanço das mulheres é o avanço de todos: o fim de todos os tipos de violência para com as mulheres, seja ela, física, social ou outras. A conquista da verdadeira paridade de gênero em todos os espaços internos e instâncias de debates e tomada de decisões são compromissos imprescindíveis para avançar neste momento como movimentos de transformação da sociedade.

* O direito à semente e à água: a semente e a água são as verdadeiras fontes da vida, e são patrimônios dos povos. Não podemos permitir sua privatização, nem o plantio de sementes transgênicas ou de tecnologia terminator.

* Não à criminalização dos movimentos sociais. Sim à declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas na ONU, proposta pela Via Campesina. Será um instrumento estratégico no sistema legal internacional para fortalecer nossa posição e nossos direitos como camponeses e camponesas.

* A juventude do campo: É necessário abrir, cada vez mais, espaços em nossos movimentos para incorporara força e a criatividade da juventude camponesa, com sua luta para contruir seu futuro no campo.

* Finalmente, nós produzimos e defendemos os alimentos para todos e todas.

Todos e todas participantes da V Conferência da Via Campesina nos comprometemos coma defesa da agricultura camponesa, com a Soberania Alimentar, com a dignidade, com a vida. Nós colocamos à disposição do mundo as soluções reais para a crise global que estamos enfrentando hoje. Temos o direito de continuarmos camponeses e camponesas, e temos a responsabilidade de alimentar nossos povos.

Aqui estamos, nós os camponeses e camponesas do mundo, e nos negamos a desaparecer.

Soberania Alimentar JÁ! Com a luta e a unidade dos povos!

Globalizemos a luta! Globalizemos a esperança!

Open Letter from Maputo: V International Conference of La Vía Campesina

Peasant Agriculture and Food Sovereignty are Solutions to the Global Crisis

Maputo, Mozambique, October 19-22, 2008

The entire world is in crisis, a crisis with multiple dimensions. There is a food crisis, an energy crisis, a climate crisis and a financial crisis. The solutions put forth by Power – more free trade, more GMOs, etc. – purposefully ignore the fact that the crisis is a product of the capitalist system and of neoliberalism, and they will only worsen its impacts. To find real solutions we need to look toward Food Sovereignty as put forth by La Via Campesina.

How did we get to this state of crisis?

In recent decades we have witnessed the advance of finance capital and transnational corporations (TNCs) across all aspects of agriculture and the global food system. From the privatization of seeds and the sale of pesticides, to buying the harvests, processing the food, transporting and distributing it, all the way to retail sale to consumers, everything is controlled by a handful of corporations. Food has gone from being a right of all people, to being just another commodity. Our diets are being homogenized, with food that is bad for you, is priced out of the reach of most people, and makes us lose the culinary traditions of our peoples.

At the same time we are witnessing an offensive of capital for the control of natural resources, the likes of which we have not seen since colonial times. The crisis of the rate of profit has led Capital to launch a privatizing war for the eviction of our peoples, peasants and the indigenous, the theft through privatization of our land, territories, forests, biodiversity, water and mineral resources. It is an aggression against both rural peoples and the environment. The planting of large-scale agrofuel monocultures is an aspect of this war of displacement. It is routinely justified with the false arguments that agrofuels are the solution to the energy and climate crisis. But the truth is that the current dependence on long distance transport of goods, and individual transport of people in automobiles instead of mass transportation, have more to do with these crises than anything else.

Now, with the food and financial crises, everything is getting worse. The food crisis and the financial crisis are linked through financial speculation on the prices of food crops and land, to the detriment of people. Now as the crisis grows, finance capital is more desperate every day, assaulting our government treasuries for their bailouts, which will only force more budget cutting in our countries, and make poverty and suffering even more widespread. Hunger is continuing to grow in our world. Exploitation and all forms of violence, especially directed at women, are on the rise. With the economic recession in rich countries, xenophobia is spreading, with more racism and repression, and the dominant economic model offers ever fewer options to our rural youth.

In synthesis, things are going from bad to worse. Nevertheless, we must recognize that like all crises, this one also generates opportunities. Opportunities for capitalism, which uses crises to reinvent itself and find new sources of profits, but also opportunities for social movements. Among the latter are the fact that the principal theses of neoliberalism are being stripped of their legitimacy in public opinion, and the fact the international financial institutions (World Bank, IMF, WTO) are proving to be incapable of administering the crisis (in addition being among the cause of the same crisis). This creates the opportunity to eliminate them, and create new institutions to regulate the global economy that serve public interests. It is clearer every day that the TNCs are our real enemies behind these other enemies. It is clearer every day that the neoliberal governments do not serve the interests of their peoples. And it is clearer every day that the global corporate food regime is not capable of feeding the great majority of people on this planet, while Food Sovereignty based on peasant agriculture is more needed than ever.

Facing this reality, what do we defend in La Via Campesina?

Food Sovereignty: getting speculative finance capital out of our food system, and re-nationalizing food production and reserves offer us the only real way out of the food crisis. Only peasant and family farm agriculture feed people, while agribusiness grows export crops and agrofuels to feed cars instead of human beings. Food Sovereignty based on peasant and family farm agriculture offers us a way out of this crisis.

As solutions to the energy and climates crises: the dissemination of local food systems, that are not based on long-distance transport nor on industrial agriculture, could eliminate as much as 40% of all greenhouse gas emissions. Industrial agriculture warms the planet, and peasant agriculture cools the planet. Changes in patterns of transportation for people and patterns of consumption are additional the steps needed to address the energy and climate crises.

Genuine integral agrarian reform and the defense of the territories of indigenous peoples are essential steps to roll back the evictions and displacement in the countryside, and to use our farm land to grow food instead of exports and fuels.

Sustainable peasant and family farm agriculture: only agroecological peasant and family farming can de-link food prices from petroleum prices, recover degraded soils, and produce healthy local food for our peoples.

The advance of women is an advance for all: the end of all forms of violence against women, including physical, social and other forms. Achieving true gender parity in all internal spaces and organs of debate and decision-making, are absolutely essential commitments to advance at this time as social movements toward the transformation of society.

The right to seeds and water: seeds and water are sources of life, and are the heritage of our peoples. We cannot permit their privatization, nor the use of GMOs or of terminator technology.

No to the criminalization of social protest, yes to the UN Declaration of Peasant Rights, proposed by La Via Campesina. It will be a key tool in the international legal system to strengthen our position and our rights as peasants and family farmers.

Rural youth: We urgently need to open ever more spaces in our movement for the incorporation of the creativity and strength of our rural young people, in their struggle to create their future in the countryside.

Finally, we are the women and men who produce and defend the food of all peoples.

All the participants in the V Conference of La Via Campesina commit ourselves to the defense of peasant and family farm agriculture, food sovereignty, dignity and life. We offer real solutions the global crisis we face today. We have the right to continue to exist as peasants and farmers, and we have the responsibility to feed our peoples.

We are here, the peasants and family farmers of the world, and we refuse to disappear.

Food sovereignty now! Unity and struggle of the people!

Globalize struggle! Globalize hope!

Lettre de Maputo: Ve Conférence Internationale de La Vía Campesina

Agriculture Paysanne et Souveraineté Alimentaire face à la crise mondiale

Maputo, Mozambique, 19-22 octobre 2008

Le monde entier est en crise, une crise aux dimensions multiples, à la fois alimentaire, énergétique, climatique et financière. Les solutions offertes par le pouvoir – plus de libre échange, semences transgéniques, etc.- ignorent que la crise est le produit du système capitaliste et du néolibéralisme et elles en aggraveront les impacts. Pour trouver de véritables solutions, il vaut mieux se tourner vers la souveraineté alimentaire que propose La Via Campesina.

Comment en est-on arrivés à cette crise?

Au cours des dernières décennies, nous avons vu l’avancée du capital financier et des entreprises multinationales, dans tous les aspects de l’agriculture et du système alimentaire des pays du monde entier. De la privatisation des semences et la vente d’agro-toxiques jusqu’à l’achat des récoltes, la transformation des aliments et leur transport, leur distribution et leur vente aux consommateurs, tout est entre les mains d’une poignée d’entreprises. Les aliments sont passés de l’était de droit pour toutes et tous à celui de simple marchandise. Les régimes alimentaires s’homogénéisent partout dans le monde, avec des aliments qui sont mauvais pour la santé, à des prix hors de portée des gens, entraînant la perte des traditions culinaires de nos peuples.

Nous assistons à une offensive du capital sur les ressources naturelles comme nous n’en avions pas vu depuis les temps coloniaux. La crise du taux de profit du capital les a poussés à lancer une guerre du secteur privé pour nous dépouiller, paysannes, paysans et indigènes. Nous assistons également au vol par le secteur privé de la terre, du territoire, des forêts, de la biodiversité, de l’eau et des minerais. Les peuples ruraux et l’environnement sont agressés. Les plantations d’agrocarburants sur de grandes surfaces de monocultures industrielles font partie de ce dépouillement, justifié par des arguments fallacieux sur les crises énergétiques et climatiques. La réalité cachée derrière cela est liée avec le système actuel de transport des biens sur de longues distances et le transport individualisé en automobiles, entre autres choses.

Aujourd’hui, l’apparition de la crise alimentaire et de la crise financière fait que tout s’aggrave. Cette même crise financière et les crises des aliments sont liées par la spéculation du capital financier sur les aliments et la terre, au détriment des gens. En ce moment, le capital financier revient plus désespéré et s’en prend aux biens publics pour son sauvetage, ce qui va conduire à des coupes budgétaires supplémentaires dans les pays et à plus de pauvreté et de souffrance. La faim dans le monde continue à croître. L’exploitation et toutes les formes de violence, notamment envers les femmes, augmentent. Avec la récession économique dans les pays riches, la xénophobie à l’encontre des travailleurs et travailleuses migrants augmente, tout comme le racisme et la répression. Enfin, le modèle dominant offre toujours moins d’opportunités pour la jeunesse dans les campagnes.

Pour synthétiser, tout va de mal en pis. Cependant, comme toute crise, des opportunités se font jour. Des opportunités pour le capitalisme qui utilise la crise pour se réinventer et trouver de nouvelles sources de profit mais également pour les mouvements sociaux. Ainsi, il est clair que les thèses du néolibéralisme sont illégitimes pour les peuples et que les institutions financières internationales (Banque mondiale, FLMI, OMC) démontrent leur incapacité à gérer la crise (en plus d’être à l’origine de cette même crise). Cela donne l’opportunité de les éliminer afin de construire d’autres institutions de régulation de l’économie mondiale qui ne servent pas d’autres intérêts. Il est bien clair que les entreprises multinationales sont les véritables ennemis qui se cachent derrière ces institutions. Il est bien clair que les gouvernements néolibéraux ne servent pas les intérêts de leurs peuples. Il est bien clair également que le régime mondial des aliments contrôlés par les entreprises multinationales n’est pas capable de nourrir la population mondiale alors que la souveraineté alimentaire fondée sur l’agriculture paysanne locale est plus que jamais nécessaire.

Que défendons-nous au sein de La Vía Campesina face à cette réalité?

La souveraineté alimentaire : Mettre un terme au capitalisme financier et renationaliser la production et les réserves d’aliments constituent la seule issue à la crise alimentaire. Seule l’agriculture paysanne nourrit les peuples, alors que l’agrobusiness produit des exportations et des agrocarburants pour alimenter les automobiles en lieu et place des hommes. La souveraineté alimentaire fondée sur l’agriculture paysanne offre la solution à la crise.

Face aux crises énergétiques et climatiques : la mise en place d’un système alimentaire local qui ne soit fondé ni sur l’agriculture industrielle, ni sur le transport sur de grandes distances, éliminerait jusqu’à 40% des émissions de gaz à effet de serre. L’agriculture industrielle réchauffe la planète et l’agriculture paysanne refroidit la planète. Un changement des modes de transport, passant du transport individuel au transport collectif et un changement des modes de consommation constituent les étapes supplémentaires nécessaires pour faire face aux crises énergétiques et climatiques.

La réforme agraire véritable et intégrale et la défense du territoire indigène sont essentiels pour inverser le dépouillement des campagnes et pour que la terre serve à produire des aliments plutôt que des exportations et des carburants.

L’agriculture paysanne durable : seule la production paysanne agroécologique peut déconnecter le prix des aliments du prix du pétrole, restaurer les sols dégradés par l’agriculture industrielle et produire des aliments sains et proches de nos peuples.

L’avancée des femmes est l’avancée de tous : la fin de tout type de violence envers les femmes, notamment physique, sociale et autres. La réalisation d’une véritable parité dans tous les espaces internes et les instances de débat et de prise de décision constituent des engagements obligatoires pour avancer en ce moment en tant que mouvements de la transformation sociale.

Le droits aux semences et à l’eau : Les semences et l’eau sont les sources de la vie et constituent le patrimoine des peuples. Nous ne pouvons pas permettre leur privatisation ni accepter les semences transgéniques ou de technologie Terminator.

Non à la criminalisation de la contestation sociale, oui à la Déclaration des Droits des Paysannes et des Paysans à l’ONU proposée par La Via Campesina. Il s’agira d’un instrument essentiel dans le système légal international pour renforcer notre position et nos droits en tant que paysans et paysannes.

La jeunesse dans les campagnes : Il est urgent d’ouvrir toujours plus les espaces dans notre mouvement pour l’incorporation de la force et de la créativité de la jeunesse paysanne, avec sa lutte pour se construire un avenir dans les campagnes.

Finalement, nous, hommes et femmes, produisons et défendons les aliments de toutes les femmes et de tous les hommes.

Nous, tous les participants et participantes de la V Conférence de La Vía Campesina, nous nous engageons à défendre l’agriculture paysanne, la souveraineté alimentaire, la dignité et la vie. Nous offrons des solutions réelles à la crise mondiale qu’affronte le monde aujourd’hui. Nous avons le droit de continuer à être des paysans et nous avons la responsabilité de nourrir nos peuples.

Nous sommes les paysans et les paysannes du monde et nous refusons de disparaître.

Pour la souveraineté alimentaire! Unité et mobilisation des peuples!

Globalisons la lutte! ¡Globalisons l’espoir!

Carta de Maputo : V Conferencia Internacional de la Vía Campesina

Agricultura Campesina y Soberanía Alimentaria Frente a la Crisis Global

Maputo, Mozambique, 19-22 de Octubre, 2008

El mundo entero está en crisis, una crisis de dimensiones múltiples, una crisis de alimentos, de energía, del clima y de las finanzas. Las soluciones que nos ofrecen desde el poder – mas libre comercio, semillas transgénicas, etc. - ignoran que la crisis es producto del sistema capitalista y del neoliberalismo, y solo profundizarán sus impactos. Para encontrar soluciones reales, mas bien hay que mirar hacía la soberanía alimentaria que propone la Vía Campesina.

Como llegamos a la crisis?

En las últimas décadas hemos visto el avance del capital financiero y de las empresas transnacionales, sobre todos los aspectos de la agricultura y del sistema alimentario de los países y del mundo. Desde la privatización de las semillas y la venta de agrotóxicos, hasta la compra de la cosecha, el procesamiento de los alimentos, y su transporte, distribución y venta al consumidor, todo está ya en manos de un número reducido de empresas. Los alimentos han pasado de ser un derecho de todos y todas, a ser una mercancía más. Se están homogenizando nuestras dietas en todo el mundo, con alimentos que son malos para la salud, tienen precios fuera del alcance de la gente, y estamos perdiendo las tradiciones culinarias de nuestros pueblos.

A la vez estamos viendo una ofensiva del capital sobre los recursos naturales, como no se había visto desde tiempos coloniales. La crisis de la tasa de ganancia del capital los lanza a una guerra privatizadora de despojo contra nosotros y nosotras, campesinos e indígenas, un robo privatizador de la tierra, el territorio, los bosques, la biodiversidad, al agua y la minería. Los pueblos rurales y el medio ambiente están siendo agredidos. La siembra de agrocombustibles en grandes monocultivos industriales es parte de este despojo, justificado falsamente con argumentos sobre las crisis energéticos y climáticos. La realidad detrás de estas últimas facetas de la crisis tiene mucho mas que ver con la matriz actual de transporte a larga distancia de bienes, e individualizado en automóviles, que con otra cosa.

Ahora el surgimiento de la crisis de alimentos y la crisis financiera hace que todo se agudiza. La misma crisis financiera y las crisis de alimentos están vinculados por la especulación que hace el capital financiero con los alimentos y la tierra, en detrimento de la gente. Ahora el capital financiero se vuelve mas desesperado, asaltando los erarios públicos para sus rescates, los cuales van a obligar a todavía mayores recortes presupuestarios en los países, y mayor pobreza y sufrimiento. El hambre en el mundo sigue su ritmo de crecimiento. La explotación y todas las forma de violencia, en especial contra las mujeres, aumentan. Con la contracción económica en los países ricos, crece la xenofobia en contra de los trabajadores y trabajadoras migrantes, con creciente racismo y represión, y el modelo dominante ofrece cada vez menos oportunidades para la juventud en el campo.

En síntesis, todo va de mal en peor. Sin embargo, como toda crisis, genera oportunidades. Oportunidades para el capitalismo, que usa la crisis para reinventarse y encontrar nuevas fuentes de ganancias, pero también oportunidades para los movimientos sociales. Entre los últimos se ubican el hecho que las tesis del neoliberalismo están quedando sin legitimidad con los pueblos, y el hecho de que las instituciones financieras internacionales (Banco Mundial, FMI, OMC) están mostrando su incapacidad de administrar la crisis (además de estar entre las causas de la misma crisis), creando la oportunidad para eliminarlos y construir otras instituciones de regulación de la economía global que sirven otros intereses. Está quedando claro que las corporaciones transnacionales son los verdaderos enemigos que están detrás de aquellos. Está quedando claro que los gobiernos neoliberales no sirven los intereses de sus pueblos. También está quedando claro que el régimen mundial de alimentos controlados por las empresas transnacionales, no es capaz de alimentar a la gran masa de personas en esta planeta, mientras que la soberanía alimentara basada en la agricultura campesina local es mas necesario que nunca.

Que defendemos en la Vía Campesina frente esta realidad?

La soberanía alimentaria: echando al capital especulativo fuera de los alimentos, y re-nacionalizando la producción y las reservas de alimentos, se ofrecería la única salida de la crisis alimentaria. Solo la agricultura campesina alimenta a los pueblos, mientras que el agronegocio produce productos de exportación y agrocombustibles para alimentar a los automóviles en lugar de los seres humanos. La soberanía alimentaria basada en la agricultura campesina ofrece la solución a las crisis.

Frente a las crisis energéticas y climáticas: la diseminación de un sistema alimentario local, que no se basa ni en la agricultura industrial ni en el transporte a larga distancia, eliminaría hasta un 40% de las emisiones de gases de efecto invernadero. La agricultura industrial calienta al planeta, y la agricultura campesina enfría al planeta. Un cambio en el patrón de transporte humano hacía el transporte colectivo, y otros en los patrones de consumo, son los pasos adicionales necesarios para hacernos frente a las crisis energéticas y climáticas.

La reforma agraria genuina e integral, y la defensa del territorio indígena: son esenciales para revertir el despojo en el campo, y para poner la tierra a producir alimentos en lugar de exportaciones y combustibles.

La agricultura campesina sostenible: solo la producción campesina agroecológica puede desvincular el precio de los alimentos del precio de petróleo, recuperar los suelos degradadados por la agricultura industrial, y producir alimentos sanos y cercanos para nuestros pueblos.

El avance de las mujeres es el avance para todos: El fin de todos los tipos de violencia hacía la mujer, incluyendo la física, la social y otras. El alcance de la verdadera paridad de género en todos los espacios internos e instancias de debates y toma de decisiones son compromisos imprescindibles para avanzar en este momento como movimientos de transformación de la sociedad.

El derecho a la semilla y al agua: La semilla y el agua son las fuentes de la vida, y son patrimonios de los pueblos. No podemos permitir su privatización, ni la siembre de semillas transgénicas o de tecnología terminator.

No a la criminalización de la protesta social, si a la Declaración de Derechos Campesinos en la ONU, propuesta por la Vía Campesina. Será una herramienta clave en el sistema legal internacional para fortalecer nuestra posición y nuestros derechos como campesinos y campesinas.

La juventud en el campo: Urge abrir cada vez mas espacios en nuestro movimiento para la incorporación de la fuerza y creatividad de la juventud campesina, con su lucha por construir su futuro en el campo.

Finalmente, nosotros y nosotras producimos y defendemos los alimentos de todos y todas.

Todos y todas los participantes en la V Conferencia de la Vía Campesina nos comprometemos a la defensa de la agricultura campesina, a la soberanía alimentaría, a la dignidad y a la vida. Nosotros y nosotras ofrecemos soluciones reales a la crisis global que enfrenta el mundo de hoy. Tenemos el derecho de seguir siendo campesinos y campesinas, y tenemos la responsabilidad de alimentar a nuestros pueblos.

Aquí estamos los campesinos y campesinas del mundo, y nos negamos desaparecer.

Soberanía alimentaria YA! Con la lucha y la unidad de los pueblos!

¡Globalicemos la lucha! ¡Globalicemos la esperanza!

Declaração de Maputo : V Conferência Internacional da Via Campesina


Maputo, Moçambique, 19-22 octobre 2008

Soberania alimentar, já! Com a luta e a unidade dos povos!

Somos gentes da terra, homens e mulheres que produzem os alimentos para o mundo. Temos o direito de continuarmos sendo camponeses e camponesas, e a responsabilidade de continuar alimentando a nossos povos. Cuidamos das sementes que são a vida, e para nós, o ato de produzir alimento é um ato de amor. A humanidade precisa de nós e nos negamos a desaparecer.

Nós, a Via Campesina, um movimento mundial de organizações de mulheres rurais, camponeses, camponesas, pequenos agricultores e agricultoras, trabalhadores e trabalhadoras do campo, povos indígenas, afrodescendentes, e juventude rural da Ásia, Europa, América e África, nos reunimos em Maputo, Moçambique, e 19 a 22 de Outubro de 2008, em nossa V Conferência Internacional. Fomos recebidos de maneira calorosa, fraternal e combativa por nossos anfitriões, a União Nacional de Camponeses (UNAC) de Moçambique.Nos reunimos para reafirmar nossa determinação de defender a agricultura camponesa, nossas culturas e nosso direito de continuar existindo como povos com identidade própria. Somos mais de 550 pessoas, incluindo mais de 325 delegados e delegadas de 57 países, representando centenas de milhões de famílias camponesas. Nós mulheres representamos mais da metade das pessoas que produzem alimentos no mundo,e aqui realizamos, com energia e determinação, nossa Terceira Assembléia Mundial das Mulheres. Nós jovens, também realizamos nossa nossa Segunda Assembléia de Jovens da Via Campesina, já que a participação decisiva da Juventude garante tanto o presente como o futuro do campo. Nesta V Conferência Internacional também ratificamos a 41 organizações como novos membros da Via Campesina, e contamos com participação de muitas organizações e movimentos aliados de to o mundo, em nossa Primeira Assembléia com os Aliados da Via Campesina.

Quatro anos de lutas e vitórias

Na V Conferência Internacional revisamos nossas principais lutas, ações e atividades desde a IV Conferência Internacional, que se realizou em Itaici, Brasil, em junho de 2005. Entre elas se destacaram as mobilizações massivas contra a OMC, contra os Tratados de Livre Comércio (TLCs) em diversas partes do mundo, e contra o G8 em Rsotock e Hokkaido. Em 2005 La Via Campesina esteve muito presente na jornada de luta frente a Conferência da OMC em Hong Kong, participando assim na mais recente das ações contínuas, com a qual os movimentos sociais temos mantido paradas as negociações nas conferências da OMC desde Seattle em 1999. Também tivemos papéis centrais em outras mobilizações contra a OMC, desde Genebra até a India.

Em 2007 organizamos, com nossos principais aliados, o Fórum Internacional Sobre a Soberania Alimentar, em Nyéleni, Mali. Este foi um momento crucial na construção de um grande movimento global pela Soberania Alimentar. Participaram em torno de 500 delegados e delegadas dos mais importantes movimentos sociais de todo o mundo, e se definiu uma agenda estratégica e de ação para os próximos anos. Tanto antes como depois de Nyéléni, organizamos muitas reuniões nacionais e regionais sobre a Soberania Alimentar. Nos últimos anos conseguimos que vários países, entre eles Equador, Bolívia, Nepal, Mali, Nicarágua e Venezuela, se incorporasse ao conceito de Soberania Alimentar em suas constituições e/ou leis nacionais.

Através de nossa Campanha Global pela Reforma Agrária, expressão de nossas lutas pela terra e em defesa do território, co-organizamos o Fórum Social Mundial da Reforma Agrária em Valência, Espanha em 2004, y em 2006 organizamos a Reunião Internacional dos Sem Terra em Porto Alegre, Brasil, antes da Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (CIRADR) da FAO. Então, participamos das mobilizações do 8 de Março das mulheres do Brasil contra o deserto verde de Eucalipto da transnacional Aracruz em 8 de março, e no Foro Paralelo, conquistando importantes avanços na posição dos governos. Em 2007, organizamos, em Nepal, a Conferência Internacional sobre Soberania Alimentar, Reforma Agrária e Direitos Camponeses.

Em 2004 organizamos uma festa global de intercâmbio de sementes, dentro do contexto de nossa IV Conferência. Em 2005 organizamos o Seminário Internacional sobre Sementes “Liberar a Diversidade”, como parte e nossa luta global a favor das sementes camponesas e contra os transgênicos e a tecnologia terminator. A Via Campesina do Brasil organizou contundentes mobilizações durante a Conferência da Convenção da Diversidade Biológica (COP-8) em março de 2006 em Curitiba, Brasil. Sobre os mesmos temas tivemos importantes atividades em Mysore, Índia nesse mesmo ano, e em 2008 em Bonn, Alemanha e na França, onde com uma greve de fome ajudou fortemente a conseguir a proibição do milho transgênico da Monsanto. No Brasil em 2007, Keno, um grande lutador, foi assassinado por um pistoleiro contratado pela Syngenta, mas um ano depois conseguimos que Syngenta tivesse que entregar ao governo sua área ilegal de experimentação dos transgênicos.

A Via Campesina junto com outros movimentos sociais organizou “a aldeia da solidariedade” de forma paralela à Conferência Sobre o Cambio Climático que a ONU organizou em Bali, Indonésia (2007),onde avançamos com o argumento de que a agricultura camponesa esfria o planeta.

Em 2008 organizamos em Jacarta, Indonésia, uma conferência internacional centrada em nossa proposta para uma Declaração Internacional dos Direitos dos Camponeses e Camponesas. Anterior à conferência internacional se organizou a Assembléia das Mulheres sobre os Direitos dos Camponeses e Camponesas.

O compromisso solidário da Via campesina foi evidenciado em 2004 com nosso esforço global para canalizar ajuda alternativa às vítimas do Tsunami, em 2007 com três delegações presentes em reuniões com Zapatistas no México, e todos os anos com ações importantes de solidariedade com lutadores e lutadoras vítimas da criminalização dos protestos sociais em todos os continente.

O deslocamento de povos rurais como conseqüência do modelos neoliberal, está provocando o movimento massivo de pessoas, convertendo-se em um tema crítico para a Via Campesina. Desde 2004 elaboramos nossas estratégias e ações sobre estes temas em nossa nova Comissão de Trabalho sobre Migração e Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais. Realizamos diversas ações contra o muro da vergonha que constroem os Estados Unidos.

De povo a povo, de país a país, realizamos lutas da Via Campesina. Nosso movimento está em quase todas as partes do mundo, onde o neoliberalismo está sendo imposto aos camponeses e às camponesas e povos rurais.

A luta da Via campesina inspira, estimula e gera a resistência de movimentos sociais contra as políticas neoliberais. Aumenta os países nos quais os governos progressistas assumem o poder como resultados de anos de mobilização. E, inclusive, um bom número de governos locais e nacionais acentuaram sua resistência e seu interesse na pauta da Soberania Alimentar, como resultado da mobilização popular y como resposta à crise global do preços dos alimentos.

A ofensiva do capital sobre o campo, as crises múltiplas, e a expulsão dos povos camponeses e indígenas

No contexto global atual estamos enfrentando a convergência entre uma crise dos alimentos, uma crise climática, uma crise energética e uma crise financeira. Estas crises têm origens comuns no sistema capitalista, e mais recentemente na des-regularização desenfreada de seus respectivos âmbitos da atividade econômica, como parte do modelo neoliberal, que prioriza o comércio e a ganância. Nas zonas rurais do mundo, vemos uma ofensiva feroz do capital e das empresas transnacionais sobre a a agricultura e os bens naturais (água, florestas, minérios, biodiversidade,terra, etc.), que se traduz em uma guerra de expulsão contra os povos camponeses e indígenas, usando falsos pretextos como os argumentos errôneos que defendem os agrocombustíveis como uma solução para as crises climáticas e energéticas, quando na verdade é exatamente o contrário. Quando os povos exercem seus direitos e resistem às expulsões generalizadas, ou quando são obrigados a ingressar nos fluxos migratórios, a resposta tem sido mais criminalização, mais repressão, mais presos políticos, mais assassinatos, mais muros da vergonha e mais bases militares.

Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas

Vemos a futura Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas da ONU como uma ferramenta estratégica no sistema legal internacional para fortalecer nossa posição e nossos direitos como camponeses e camponesas, por isto estamos lançando também a Campanha Mundial por uma Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas.

Soberania Alimentar: a solução das crises, e a vida de los povos

Entretanto, a situação atual da crise também é uma oportunidade, porque a Soberania Alimentar oferece a única alternativa real tanto para a vida dos povos, como para reverter as crises. A Soberania Alimentar responde à crise dos alimentos, com produção camponesa local; às crises climáticas e energéticas, atacando duas das principais fontes de emissão de gases de efeito estufa, o transporte de alimentos em larga distância e a agricultura industrializada,e para amenizar uma vertente da crise financeira, proíbe-se a especulação dos alimentos. O modelo dominante significa crise e morte, e a Soberania Alimentar é a vida e a esperança para os povos rurais e também para a população consumidora. A Soberania Alimentar requer a proteção e a re-nacionalização dos mercados nacionais de alimentos, promoção dos ciclos locais de produção e consumo, a luta pela terra, a defesa dos territórios dos povos indígenas , e a Reforma Agrária integral. Baseia-se também na mudança do modelo produtivo para uma produção agroecológica e sustentável, sem pesticidas e sem transgênicos; e no conhecimento camponês e indígena. Com princípio geral, a Soberania Alimentar se constrói com base em nossas experiências concretas em nível local, ou seja, do local ao nacional.

A crise causa sofrimento incalculável entre nossos povos, e corrói a legitimidade do modelo neoliberal do “livre comércio”. E alguns governos locais, estatais e nacionais mais progressistas começaram a buscar soluções alternativas. Na Via Campesina devemos ser capazes de aproveitar estas oportunidades.

Temos que desenvolver uma metodologia de trabalho que inclui o diálogo crítico e construtivo, para obter êxitos na implementação da Soberania Alimentar com estes governos. Também devemos aproveitar espaços internacionais de “outra integração”, como ALBA e Petrocaribe, para avançar neste terreno. Mas não podemos somente aposta nos governos. Mas devemos construir a Soberania Alimentar de baixo para cima nos territórios e outros espaços controlados por movimentos populares, povos indígenas, etc. Já está na hora da Soberania Alimentar. Temos que tomar a iniciativa para avançar sobre este terreno em todos os países. Nós os camponeses e camponesas do mundo podemos e queremos alimentar o mundo, a nossas famílias, nossos povos, com alimentos saudáveis e acessíveis.

As empresas multinacionais e o livre comercio

Nossa reflexão nos deixou a clareza de que as empresas multinacionais e financeiras são um de nossos inimigos comuns mais importantes, e que temos quefazer lutas cada vez mais diretamente sobre elas. Inclusive são elas que estão detrás dos outros inimigos dos camponeses e camponesas, como o Banco Mundial, o MFI, a OMC, os TLCs e a EPAs, os governos neoliberais, e o expressionismo econômico agressivo, o imperialismo e o militarismo. Agora é também o momento para redobrar nossa luta contra os TLCs e EPAs, e contra a OMC, mas agora com uma sinalização mais clara do papel central das multinacionais. O avanço das mulheres é o avanço da Via Campesina.

Um tema ficou muito claro em nossa V Conferência: que todas as formas de violência que enfrentam as mulheres em nossas sociedades – entre elas a violência física, a econômica, a social, a machista, a de diferenças de poder,e cultural – estão também presentes nas comunidades rurais e por fim em nossas organizações. E isto, além de ser uma imensa fonte de injustiça, também limita a capacidade de nossas lutas. Reconhecemos a relação íntima entre o capitalismo, o patriarcado, o machismo, e o neoliberalismo com seus preconceitos contra a camponesas do mundo. Nós, todos e todas, mulheres e homens, da Via Campesina, nos comprometemos de forma responsável por construir novas e melhores relações humanas entre nós como parte necessária da construção das novas sociedades que aspiramos. Por isso, na V Conferência tomamos a decisão de romper o silêncio e lançamos a Campanha da Via Campesina “Pelo Fim da Violência Contra As Mulheres”. Nos comprometemos, outra vez e com mais força a meta de alcançar a complexa, mas necessária, paridade de gênero real em todos os espaços e instâncias de participação, análises, debates e decisões na Via Campesina, e fortalecermos o intercâmbio, coordenação e solidariedade entre as mulheres de nossas regiões.

Reconhecemos o papel central da mulher na agricultura de auto-suficiência alimentar, e a relação especial das mulheres com a terra, com a vida e com as sementes. Além disso, as mulheres são e sempre foram parte determinante na construção da Via Campesina desde o seu início. Se não vencermos a violência contra as mulheres dentro de nossos movimentos, não avançaremos em nossas lutas, e se não constituirmos novas relações de gênero, não poderemos construir uma nova sociedade.

Não estamos sós: a construção das alianças

Nós, os camponeses e camponesas, não podemos vencer sozinhos nossas lutas pela dignidade, por um sistema alimentar e agrário mais justo, e dessa forma o outro mundo melhor que é possível. Temos que construir e reforçar alianças orgânicas e estratégicas com os movimentos sociais e organizações que compartem nossa visão e isto é um compromisso especial da V Conferência.

A juventude nos dá a esperança para um mundo melhor

O modelo dominante no campo não oferece nenhuma opção para a juventude, e isso é uma razão muito importante para mudá-lo. Os jovens e as jovens são nossa base tanto para o presente como para o futuro, assim que nos comprometemos com sua plena inserção e participação criativa em todos os níveis de nossas lutas.

A formação para o fortalecimento de nossas lutas

Para que tenhamos êxitos e vitórias em nossas lutas, temos que nos dedicar ao fortalecimento interno de nossos movimentos, através da formação política para aumentar nossa capacidade coletiva de analisar e transformar nossas realidades, a capacitação, e melhorar a comunicação e articulação entre nós e nossos aliados.

Diversidade e unidade na defesa da agricultura camponesa

Como movimento social internacional, podemos dizer que uma de nossas maiores forças é que somos capazes de unir diferentes culturas e modos de pensar em função de uma mesma luta. A Via Campesina representa um compromisso comum de resistir e lutar pela vida e pela agricultura camponesa.

Todos os participantes da V Conferência da Via Campesina nos comprometemos a defender os alimentos e a agricultura camponesa, a Soberania Alimentar, a dignidade e a vida. Aqui estamos, os camponeses e camponesas do mundo, e nos negamos a desaparecer.

Globalizemos a luta! Globalizemos a esperança!