vendredi 21 novembre 2008

5ª Conferência da Via Campesina: Crise o quê

Por Nico Bakker

Respostas práticas à crise de fome e outras crises por camponeses organizados.

Em 2005 durante as manifestações que ajudaram descarrilar as negociações da OMC em Cancum, o camponês Koreano Lee Kyung Hae se matou, em protesto contra a OMC e impelido pelo desespero causado pelos efeitos da OMC.

No dia 23 de Outubro, depois da ceremónia em homenagem ao camponês Lee Kyung Hae jantámos. Sentado ao lado dum agricultor familiar americano e de um camponês Indiano, acompanho a conversa deles.

Discutem assuntos de produtores. "Quantas cabeças de gado tem?" (o Indiano 5, o Americano 38, mas este diz que existem fazendas industriais de 10.000 cabeças), ou "que parte do preço ao consumidor fica contigo", ou "Quantos litros de leite as suas vacas produzem em média?". Apesar das diferenças (começando pela maneira de falar inglês) estão muito animados e parecem estar a aprender muito um com o outro.

Isso é a 5ª Conferencia Internacional da Via Campesina.

Mais que 400 camponeses delegados juntaram-se na Matola para a assembleia da sua organização mundial. Num mundo atingido por 4 crises simultáneas: uma crise de fome, uma crise de energia, a crise da mudança climática e uma crise financeira os camponeses reuniram-se também para analisar como estas crises afectam a vida dos camponeses.

A primeira coisa que se nota, e que é essencial para a credibilidade e o sucesso da organização, é o esforço de coerência entre as políticas e as práticas.

Por exemplo, procurou-se garantir ao máximo a representação das mulheres (por exemplo, cada região da organização é representada no Conselho Coordenador Internacional por uma mulher e um homem). Um outro exemplo é a tentativa de alimentar os participantes com produtos locais, através das uniões, embora, infelizmente, tal não tenha sido possível porque o gerente do sítio o proibiu.

Também notável é o facto de a conferência não ter sido dominada por peritos e técnicos, com um ou outro camponês marginalizado de lado. Este é um encontro de verdadeiros camponeses, especicialistas da sua própria machamba e vida.

Neste contexto, encontro Alphonsine N'guba, membro duma cooperativa perto de Kinshasa. A sua cooperativa tem 40 membros e é membro da Confederação Camponesa do Congo (COPACO- PRP). A COPACO-PRP junta criadores de animais, pescadores,agricultores, horticultores e piscicultores em 452 organizações. Alphonsine acabou de ser eleita para o Comité International de Coordenação da Via Campesina representando a região da África Austral e Central. Ela mostra-se bastante contente com a conferência, principalmente com o destaque dado à situação das mulheres porque, como diz :"não se pode falar de agricultura sem falar de mulheres".

Quando ela não está ocupada organizar o movimento, ela cultiva 3 machambas com canteiros onde produz muita coisa diferente (amaranto, quiabo, batata doce,pimento, tomate, aipo, beringela, pepino, mandioca, milho e mais).

A maior parte da produção é vendida mas não sem primeiro separar-se a alimentação da família, "onde é que estamos, não tem falta de comida".

Já não usa produtos químicos porque descobriu que estragam o solo e são caros. Agora só usa fertilizantes naturais. Ela notou que o tempo está mudando, com mais calor e chuvas mais tardias que, quando caem, caem com força, causando cheias.

Enquanto está a tentar entender o novo padrão climático, acha muito injusto sofrer destes problemas do calor e das cheias que são causados pela poluição

originada em sítios que não têm nada a ver com ela, mas afectam directamente a sua produção.Contudo, o seu problema principal é a comercialização. Agora ela vende através da cooperativa que ajuda a baixar os custos, mas os mercados de Kinshasa estão cheios de produtos baratos de fora, baixando os preços, enquanto ela tem despesas altas por causa do transporte e das"taxas" ilegais que são exigidas por todo tipo de "autoridade".

Irène Anex, duma cooperativa ecológica perto de Genebra, é nova na Via Campesina. Mas o que ela notou é que, apesar de tantas diferenças, "os problemas são os mesmos em todo o lado". Irène trabalha com dois colegas num hectare de terra alugada para produzir hortículas e verduras. 130 membros pagam os custos de produção da sua cooperativa "Uniterre", inclusive o vencimento da Irène e dos seus colegas. Além de pagar os custos, os membros também trabalham algumas horas por mês na cooperativa. Muitos membros estão interessados em agricultura orgánica por motivos de saúde, mas o dia-a- dia na cooperativa abre os olhos para outras questões. Nas conversas tidas enquanto estão a trabalhar a terra, fala-se e ensina-se, como trabalhar a terra, mas também se fala sobre ecologia, política agrícola etc.

A forma como a cooperativa é organizada é uma resposta prática às crises e um reflexo das políticas promovidas pela Via Campesina. "Produzimos primeiramente para comermos. Como os membros não precisam de comprar as verduras na loja, não sentem tanto a subida dos preços (toda a produção é distribuida igualmente entre os 130 membros). Também precisamos de menos dinheiro para produzir jáque não compramos fertilizantes químicos e pesticidas. Ao mesmo tempo, não se gasta muito combustível porque os membros ficam perto da cooperativa. Irene tem um interesse particular pelas sementes . A situação na Suiça não está muito má,mas no resto da Europa há cada vez mais regras para impedir os agricultores de

guardar sementes e obrigando-os a comprá-las nas multinacionais. As leis dificultam a salvaguarda das sementes locais e a diversidade de sementes que é preciso para uma produção ecológica.

Sago Indra é um camponês e um organizador em Sumatra, na Indonésia. "Primeiro temos que recuperar a terra" afirmou ele. Embora Sago tenha um hectare de arroz e um hectare onde cultiva uma grande variedade de hortculas e verduras, a maioria dos camponeses não tem terra. Ele dá aos amigos que o ajudam na machamba

a metade da colheita do arroz porque ele está muito ocupado a organizar as comunidades Terrenos cada vez maiores são dados em concessão às empresas multinacionais,obrigando os camponeses a sair e causando uma subida dos preços da terra. Com a nova moda dos agrocombustíveis, as políticas do governo favorecem ainda mais as empresas grandes. Por exemplo, recentamente, o governo deu 200.000 hectares para uma plantação de palmeiras para óleo, aumentando ao mesmo tempo o prazo da concessão de 30 anos para 99 anos.

"Sentimos o impacto das crises: por exemplo, petróleo para os candeeiros é muito mais caro agora. Mesmo assim, nós, produtores ecológicos, estamos melhores que os outros camponeses que estão a ficar cada vez mais desesperados.

Produzimos para as nossas famílias primeiro, gastando pouco dinheiro em comida.Depois, não usamos adubos químicos ou pesticidas, cujos preços subiram de 50 a 150% no ano passado. Ainda por cima, usamos as nossas sementes locais, o que faz com que não precisamos de comprar sementes nas empresas multinacionais."Porém, o tempo está mudando; agora é dificil saber quando vai chover e "se vamos ter que depender de irrigação, os nossos custos vão aumentar mais ainda".

Alphonsine, Irène e Sago salientam a importância da conferência, não só ao nível político (por exemplo, lutar contra as multinacionais), mas também para trocar experiências sobre, por exemplo, como desenvolver acções de mobilização que se podem tentar aplicar em casa. Segundo Sago, é claro que a Via Campesina se fortaleceu ao longo dos anos, tanto a nível dos membros como a bível da estrutura e da organização. Alphonsine enfatiza a importância de analisar bem as propostas e não perder a independência : uma vez uma empresa propôs para produzir Aloe Vera, mas depois uma reflexão profunda, descobriu que ela ia perder se deixasse a sua maneira de produzir e passasse a produzir só Aloe Vera. Para este tipo de reflexões, a conferência atingiu o seu objectivo, tanto nas conversas nos jantares, como nos muitos encontros oficiais.

O que é aVia Campesina?

A Via Campesina é o movimento mundial de camponeses e produtores familiares organizados. As organizações de camponeses encontram-se em todo o mundo..

Por motivos práticos são organizadas em 9 regiões (Europa, América do Norte, Caraíbes, América Central, América do Sul, África Austral e Central, África Oeste e Norte, Asia do Sul e Asia do Sul-este).

A Via Campesina foi criada em 1993 na Bélgica e neste momento tem 150 membros em 75 países.

O objetivo principal da Via Campesina é desenvolver a solidariedade e unidade entre camponeses e promover a equidade de género e justiça social com relações
económicas justas., a conservação de todos os recursos naturais (água, terra,semente, floresta) e agricultura sustentável baseada nos pequenos produtores.

A Via Campesina introduziu o conceito de Soberania Alimentar. Soberania Alimentar quer dizer o direito de camponeses e de comunidades de saberem como produzir e o que produzir para alimentar as suas famílias e as suas comunidades e o direito de governos de desenvolverem políticas agrícolas que sirvam objectivo.Para tal, é essencial que o projecto neo-liberal dos últimos 20 anos, tão popular nos governos do mundo e que é a causa principal das 4 crises simultâneas, seja combatido.

Apesar de serem chamadas de radicais, sonhadoras e irracionais, as políticas da Via Campesina mostram agora não só serem visionárias, mas necessárias num mundo assolado por crises de fome, de energia, financeira e de mudança climática. Porque infelizmente ainda há pessoas que pensam como o antigo presidente Bill Clinton pensava: "pensavamos que os produtos agrícolas fossem como televisores ou qualquer outra mercadoria em vez de tratá-los como vitais

Para os pobres do mundo."

Nico Bakker

Oxfam Solidariedade Bélgica

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